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Publicado em: 27 Novembro 2025

A Academia vive entre transições - e pede ambientes saudáveis e regenerativos

Por Filipa Heitor, Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, e em Psicologia Comunitária. ISCAP | P.PORTO

A Academia vive entre transições, dizem. Porque é espelho e motor de um mundo que muda e que pede formas mais saudáveis e regenerativas de cuidar da vida coletiva. As múltiplas crises convergentes – ecológica, económica e psicossocial – lembram-nos os desequilíbrios no modo como organizamos o que é comum. A este respeito, e por estes dias, líderes globais e decisores europeus sentaram-se lado a lado com técnicos, investigadores, ativistas e representantes da sociedade civil, nas mesas largas onde se pousam esperanças e se arriscam compromissos – na Conferência do Clima (COP30) e no POLITICO Health Care Summit em Bruxelas – para debater grandes eixos das transições como clima, saúde e comunidade. São tempos que na verdade mais funda nos chamam a todos: líderes, técnicos, administrativos, gestores, docentes, estudantes, cidadãos.

Saúde mental, regeneração ambiental e participação democrática não são margens. São a base da Academia. O desafio é simples e imenso: integrá-las numa cultura institucional que respira, responde e transforma.

Nos últimos anos, programas nacionais em saúde mental, sucesso académico e redução do abandono mostraram boas intenções e deram, felizmente, fôlego à resposta clínica e impulso à diversificação das esferas de intervenção dos serviços de psicologia das instituições de ensino superior. A agenda universal abraçou iniciativas de sustentabilidade cada vez mais robustas e com elas cresceram equipas e parcerias. Ao lado, criaram-se estruturas consultivas, como na inovação pedagógica. Foram avanços significativos, ainda que dispersos, por vezes sobrepostos e quase sem diálogo. Seria de desejar um quadro inteiro, pensado para todos, coordenado transversalmente, capaz de dar continuidade e estabilidade ao financiamento. Um quadro com visão sistémica que incorpore referenciais partilhados e métricas de impacto coletivo. Sem isso, ficamos com indicadores soltos que somam, mas dificilmente serão protegidos e não transformam sistemas. É necessário ir além da lógica de serviços fragmentados, das medidas que aparecem e desaparecem, das respostas reativas ou das soluções externalizadas. E a mudança pede coragem para rever estruturas, práticas e narrativas: dos currículos aos modelos de avaliação, da gestão do tempo às formas de reconhecimento, participação e cuidado. Pede coragem para derrubar muros, juntar saberes e experiências, aproximar pessoas. E abre espaço para formas mais humanas, colaborativas e regenerativas. É nesse caminho que a inovação acontece: quando deixamos de reagir a sintomas e começamos a redesenhar sistemas – humanos e ecológicos – a partir de dentro.

A regeneração institucional nasce sempre em terreno habitado. Num terreno cheio de história, tensões internas, resistências à mudança, assimetrias de poder, critérios de desempenho, corredores estreitos de competição, sobrecarga que se torna rotina, restrições orçamentais. Reconhecer tudo isso não diminui a proposta, dá-lhe honestidade e urgência. Não há mudança sem desconforto, sem negociação, sem conflito.

A ciência psicológica e as neurociências dizem-nos há várias dezenas de anos: os ambientes físicos, relacionais e simbólicos influenciam o bem-estar e os comportamentos. Quando percebidos como seguros, previsíveis, esteticamente integrados e socialmente acolhedores ativam circuitos neuronais associados à regulação emocional, empatia e tomada de decisões conscientes. Luz natural abundante, espaços verdes e azuis, silêncio restaurador combinado com níveis adequados de ruído, temperatura confortável, relações humanas de qualidade, normas sociais positivas, são condições estruturais vitais para a saúde do cérebro. Tudo isto nutre a atenção, a memória de trabalho, a criatividade e o pensamento divergente. Criam raízes para comportamentos pró-saúde, pró-ambiente e para a construção de comunidades saudáveis. E traduz-se em algo muito tangível: mais produtividade, mais eficácia, mais vontade de ficar, de se envolver e agir.

As instituições de ensino superior são comunidades vivas. Feitas de pessoas, relações, práticas, normas e valores. É improvável que a coesão aconteça por natureza: pede intenção, estrutura e cuidado. O ambiente não é um pano de fundo neutro, é um agente ativo na construção da experiência humana. Vale a pena perguntar: como organizamos os espaços? Como ensinamos e avaliamos? Como mediamos as relações? Que tipo de relações estamos a normalizar? Como vivemos o tempo institucional? Nada disto é neutro. Ambientes marcados por stress crónico, competitividade excessiva, grupos fragmentados e isolamento social tendem a gerar ansiedade, burnout e desmotivação. Ambientes que oferecem confiança, segurança psicológica, envolvimento emocional, autonomia, sentido de pertença e cooperação tendem a revelar-se mais resilientes, inovadores e capazes de construir futuros desejáveis.

Nenhum de nós transforma nada sozinho. Mas juntos, enquanto comunidade académica, podemos definir prioridades, testar soluções, pôr em prática novas formas de fazer – e assim o movimento encontra força. E quando esse movimento se liga a comunidades locais, em Portugal e no mundo, o impacto multiplica-se e torna-se mais duradouro. Há já um abrigo de práticas bem-sucedidas: assembleias participativas, mapas cognitivos, deliberação estruturada, laboratórios de inovação social, projetos de design biofílico, planos de impacto na saúde, programas de literacia para a saúde – psicológica, emocional e ecológica. São referências replicáveis, que merecem ser documentadas e integradas em quadros estratégicos. É neste contexto de oportunidade geracional que a liderança faz diferença: abrir fronteiras, criar condições, legitimar os processos, tornar visível o que emerge – de forma sistemática, persistente e evolutiva. Uma liderança em rede, que sustenta o tecido coletivo e transforma fragmentação em comunidade ativa.

O verdadeiro salto é cultural: valorizar o cuidado, a escuta e a corresponsabilidade. Uma transformação que não é destino – é caminho. Os ambientes académicos são mais do que lugares de passagem. São motores – ou travões – de transformação social, pertença e resiliência coletiva. São salas e corredores, pausas e encontros, bibliotecas e espaços de convívio, práticas e relações que se constroem, rituais académicos e decisões quase invisíveis do dia-a-dia, culturas digitais e institucionais, que moldam a experiência, alimentam o sentido de comunidade e expõem a nossa capacidade (ou incapacidade) de responder às crises, ambiguidades e incertezas.

O conhecimento está aí, os recursos também. A ciência, a experiência e a prática já nos abriram caminhos para ambientes mais saudáveis, regenerativos e inclusivos. Não é fácil – alguns dirão que é utópico – mas é decisivo. Talvez ainda não tenhamos ousado passar da teoria à prática, da intenção à ação, da crítica à construção, do isolamento à comunidade. Talvez ainda não tenhamos ativado plenamente esse potencial – como pessoas e como instituições. Com imperfeições, e com vontade.

Vamos escutar o que nos trava e o que nos pede contributo e ação. Porque há uma responsabilidade de coerência que não podemos adiar. O conhecimento tem valor quando cuida. A inovação faz sentido se incluir. A excelência existe quando há justiça. A Academia deve ser espaço de aprendizagem para as transições e guardiã da saúde mental, da sustentabilidade e da democracia.

Foram pessoas que criaram os sistemas que hoje pedem mudança. E serão pessoas a desenhar o que vem a seguir. Toda a transição começa e termina no fator humano – nas pessoas e nas instituições que sustentamos. É aí que reside o desafio. É aí que está o caminho. Há sinais de abertura e de vontade comum. Podemos avançar – com compromisso, continuidade e coragem.

 


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